"O Sílvio Santos morreu"
"O Sílvio Santos morreu"
Qual é a primeira coisa que você faz quando acorda?
Aposto que pega o celular.
E o que você olha primeiro? A página de notícias? Redes sociais? Suas aplicações financeiras? Suas mensagens no WhatsApp (quando alguém não resolve antecipar seu trabalho enviando alguma mensagem inconveniente no meio da madrugada...)? Seus e-mails?
Meu pai, por exemplo, olha as notícias. É o primeiro a acordar, e o primeiro a anunciar algum acontecimento bombástico ocorrido depois de deitar-se nos braços de Morfeu. A diversão dele, de tempos em tempos, é acordar minha mãe com a notícia de alguma falsa catástrofe - isso faz ela levantar da cama de imediato no ímpeto de tomar par do suposto acontecimento. Um dia ele acordou ela dizendo que o Sílvio Santos tinha morrido. Logo o Sílvio, que ela costumava assistir sempre aos domingos, poxa!
Consigo imaginar ele lá na sala, zapeando as notícias no feed ou nas páginas eletrônicas de Zero Hora... Consigo imaginar o exato momento em que o espírito de porco aflora na sua cabeça grisalha; o brotamento daquela vontade incontrolável de fazer troça para, no final, ser premiado com uma companhia recém desperta para o café da manhã (nem que seja para ser admoestado pela brincadeira de mau gosto).
Já a minha mãe acorda com as redes sociais nas mãos; mandando aquele “parabéns” cheio de apitos e cornetas no Facebook para algum aniversariante; curtindo o crochê ou o bordado que alguém aprendeu a fazer num cursinho online; lamentando pelo anúncio de algum falecimento na página da funerária; ou fazendo um comentário inconveniente em alguma foto que eu postei.
No livro “O Deserto dos Tártaros”, tem um trecho que diz assim: “[...] os homens, ainda que possam se querer bem, permanecem sempre distantes; que, se alguém sofre, a dor é totalmente sua, ninguém mais pode tomar para si uma mínima parte dela; que, se alguém sofre, os outros não vão sofrer por isso, ainda que o amor seja grande, e é isso que causa a solidão da vida”.
Acho que usamos o celular justamente para isso: para nos sentirmos parte do mundo e (falsamente) acompanhados por ele. Nem que seja por via transversa, como pretexto para tirar alguém da cama porque o Silvio Santos morreu.
FOTO: Recorte do original de Palácio do Planalto, CC BY 2.0 <https://creativecommons.org/licenses/by/2.0>, via Wikimedia Commons.
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