Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC) e panelas
Eu tenho TOC. Sério. CID F42.
Meu TOC funciona assim: eu elejo uma
preocupação absolutamente inútil, e só penso nela por um determinado período de
tempo. Ruminação, dizem.
Uma vez foram as panelas. Li em algum lugar que
certos tipos de panela liberavam substâncias tóxicas nos alimentos, então mais
importante do que ter uma alimentação saudável, era escolher em qual recipiente
cozinhar.
Tem para tudo que é gosto: panela que causa
alergia, câncer, Alzheimer, Parkinson, chikungunya, dengue, e por aí vai.
Pronto. Foi o que bastou. Virei especialista em
panelas.
Eu sabia tudo sobre panelas; lia todos os blogs
e pesquisas científicas (do Google); assistia a todos os vídeos.
Eu acordava de manhã pensando em panela, dormia
pensando em panela. Se tivesse algum informativo sobre panelas, eu
provavelmente teria me inscrito (infelizmente, não encontrei).
Eu abria o YouTube e lá estavam as sugestões de
vídeos: “5 panelas que você deve evitar a todo custo”, “As 10 melhores panelas
para sua saúde”, “Vire imortal cozinhando nessas panelas”. Eu precisava comprar
panelas novas, essa era minha única certeza.
- Tá, Milena. Qual panela tu quer comprar? –
Eduardo em cena.
- Não sei. Mas tem que ser atóxica.
- Qual, então? De ferro?
- É muito pesada. Enferruja. E o ferro em
excesso causa ferritina. Melhor não.
- Cobre?
- Causa câncer.
- Alumínio?
- Causa Alzheimer e câncer.
- Tudo causa câncer, Milena.
- Fala outra.
- Cerâmica?
- Boa. Mas é pesada e cara. Aquelas lindas da Le
Creuset... Não, não, vou quebrar.
- Então quem sabe a gente cozinha na pedra,
como faziam os homens das cavernas.
- Pedra também não dá, absorve os produtos
químicos que a gente usa pra limpar.
- Ficamos com as nossas de inox, então.
- Não dá, liberam níquel. Pode causar alergia.
- Tu não tem alergia a níquel, Milena.
- Não interessa.
- Então não sei.
- Aço cirúrgico. Totalmente atóxicas.
- E totalmente caras, também. Onde vamos
comprar isso? Tu quer que eu traga a bancada do hospital pra mandar recortar e
fazer uma panela?
Passado um tempo, esqueci as panelas. Até
voltei a esfregar com esponja de aço as panelas de inox – que liberam níquel.
Eu também tenho TOC para sair de casa. Sempre
acho que vou esquecer alguma coisa. Então criei um checklist infalível, que eu
repito em voz alta antes de colocar o pé para fora da porta: carteira, chave e
celular. Eu tenho uma teoria de que dá para esquecer tudo, menos esses três.
Sem carteira não tem dinheiro nem documento de identificação. Sem chave eu não
entro em casa. Sem celular eu não consigo me comunicar com ninguém. As pessoas
sempre voltam para buscar um dos três, pode observar.
E também tem o TOC de achar que alguma coisa
dentro de casa ficou ligada. Ar-condicionado, fogão, gás, chapinha. Para a
chapinha, eu também criei um mecanismo de segurança. Falo em voz alta: “Estou
desligando e guardando a chapinha!”, para o meu subconsciente internalizar. Coisa
de louco. Mas não adianta; eu sempre volto para conferir.
Outro dia, nós na BR-116:
- Eduardo, tu desligou o ar?
- Desliguei.
Três minutos depois.
- A chapinha, Eduardo! Eu acho que ficou
ligada!
- Não ficou, Milena.
- Como tu sabe? Tu me viu tirando ela da tomada?
- Não, não vi.
- Então não tem como saber se eu desliguei!
- Tu sempre desliga, Milena.
- Mas eu posso me enganar. Volta, preciso
conferir.
- Onde que eu vou dar retorno no meio da
rodovia, criatura?!
- Não sei, mas preciso conferir. Imagina se
isso ficar ligado o final de semana todo!
- O que tu acha que vai acontecer, daí?
- Sei lá, pegar fogo, incendiar o apartamento,
o prédio! Falando nisso, será que a gente renovou o seguro??? Volta, volta, não
dá pra se fiar em seguradora!
- Te acalma, vou dar o retorno.
Chego em frente ao prédio, já procurando algum
sinal de fumaça, aguçando os ouvidos para escutar a sirene dos bombeiros. Nada.
Caminho com passadas largas rumo ao apartamento,
com a chave da porta cuidadosamente selecionada do molho, pressionada entre o
indicador e o polegar. Ofegante, chego no banheiro, e... não tem nada ligado na
tomada, graçazaDeus! Mas não basta: preciso conferir se a chapinha está dentro
da gaveta, como se ela fosse capaz de criar pernas e sair andando para o cômodo
ao lado, tarada por eletricidade.
E lá está ela: elegantemente posicionada na
segunda gaveta do móvel do banheiro, encarapitada em cima do fio que eu,
cuidadosa e simetricamente, enrolei.
Só então
relaxei. O momento após a checagem é o êxtase, o orgasmo do
obsessivo-compulsivo. Pensei: “Vou pegar uma água e um chocolatezinho para
amenizar a vontade que o Eduardo vai ter de me matar”.
Chego no carro com cara de cachorro, olhando
para o horizonte, ensaiando uma boa desculpa para justificar o motivo pelo qual
retornamos.
- E aí? Estava desligada?
Cri.
- Estava desligada, né, Milena. Eu te falei,
mas tu nunca me escuta!
- Calma. Pega esse chocolatinho, aqui, ó.
Filme "Toc Toc" Netflix |
Passada de tanto rir aqui kakkak
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