Puerpério rima com deletério

         

Nascimento e morte. Os extremos da vida. Já reparou como tudo o que fica entre os dois acontece de forma gradativa? Você não se lembra em qual dia começou a ganhar os primeiros cabelos brancos. A hora exata em que deixou de ser adolescente pra virar adulto. O minuto e segundo em que aquele pé de galinha começou a se formar no canto dos olhos. Você só sabe que se olhou um dia no espelho e se sentiu velho, mas não sabe precisar quando começou.

Já o nascimento e a morte têm data e hora marcada. Olívia nasceu às 16:54h do dia 16/02/2023. Às 16:53h, ainda não existia; no minuto seguinte, passou a existir. Minha avó faleceu no dia 14/06/2018, às 06:00h. Às 05:59h, existia; no minuto seguinte, não existia mais.

É por isso que nascimento e morte, embora essencialmente diferentes, são tão impactantes. Você precisa se adaptar à (in)existência de uma pessoa do dia para a noite, de um minuto para o outro. E, embora nada se compare à dor excruciante que a inexistência trazida pela morte causa, não se costuma falar das dificuldades inerentes à adaptação de uma nova existência.

Deram o nome de puerpério ao período de pós-parto pelo qual a mulher passa, mas para se referir às mudanças hormonais que, biologicamente, acontecem no corpo feminino após o nascimento.

Mas essa é a definição médica.

Pessoalmente, cada um tem sua própria definição. A minha é a de que o puerpério é um lugarzinho que fica a meio caminho do céu e do inferno, e pode durar muito mais do que os 45/60 dias preconizados pela literatura médica.

Uma criança nasceu, e isso é motivo de muita felicidade. Mas uma mãe e um pai também morreram. Figurativamente, morreram, e, recém paridos, precisam igualmente se adaptar a uma nova existência.

O puerpério é céu: quando seu filho começa a balbuciar os primeiros sons; quando ele ganha peso e os exames estão todos normais; quando você observa ele dormir; quando ele dá o primeiro sorriso (ah, a incomparável reciprocidade de um sorriso!); quando ele encosta no seu rosto com a mãozinha aberta, como que te reconhecendo enquanto pai ou mãe; quando ele aprende a rolar e fica de barriga para baixo com a cabeça balançando igual uma tartaruguinha; quando ele te olha com aqueles olhinhos redondinhos de Gato de Botas do Shrek; quando vocês dormem juntos, rostinho com rostinho; quando você morde uma coxa cheia de dobrinhas e curvinhas; quando você encosta o nariz naqueles fiapos de cabelo cheirando a Johnson´s Baby. 

O puerpério é inferno: quando a cólica não passa; quando o bebê não para de chorar (e você chora junto, de cansaço, exaustão ou irritação); quando você não consegue dormir, nem durante a noite, porque o bebê desperta várias vezes, e nem durante o dia, porque o bebê só dorme no colo (mas "o filho da vizinha dorme 32 horas seguidas até no piso frio"); quando os outros insistem que você não tentou do jeito certo, porque “meu filho não era assim”; quando você tem dor, mas não pode parar; quando não pode reclamar de cansaço, pelo medo de ser mal compreendida (“ter um filho é uma benção!”, e você precisa ser #gratidão); quando é difícil encontrar tempo pra tomar banho, mas o sebo já está escorrendo pescoço abaixo; quando, no banho, você escuta um choro imaginário vindo lá da sala (“devem estar precisando de mim!”), e sai correndo sem depilar o sovaco ou terminar de fazer suas necessidades fisiológicas; quando a comida está sempre fria; quando você precisa voltar a trabalhar e não sabe se alguém vai cuidar do mesmo jeito que você; quando você se emociona assistindo ao episódio 3 da 4ª temporada de Succession, ou ao final do episódio 10 da 1ª temporada de Ozark (milionários e traficantes, sério?!); quando você já não é mais a mesma e sente saudades de quem você era, porque ainda há mais de você “antes” do que “depois”; quando você sente culpa por pensar tudo isso.

O puerpério é, sobretudo, solitário. É como aquela passagem de “O Deserto dos Tártaros”:

“Drogo deu-se conta de que os homens, ainda que possam se querer bem, permanecem sempre distantes; que, se alguém sofre, a dor é totalmente sua, ninguém mais pode tomar para si uma mínima parte dela; que, se alguém sofre, os outros não vão sofrer por isso, ainda que o amor seja grande, e é isso que causa a solidão da vida”.

O mote do puerpério é: “Vai passar”.

Claro.

Tudo passa.

Até uva passa.

Haha!


De novo essa história de puerpério!?
Pra mim está sendo muito fácil!



Eu ouvi um bebê chorando?

Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Maternidade Incompleta

Coisas que só acontecem com a gente

O dia em que virei adulta