O Mito do Amor Materno
A maternidade é uma espécie de protocolo: há um consenso velado para que
todo mundo faça e sinta as mesmas coisas. Sofri, e ainda sofro, muito com isso.
Mas a gravidez foi um período especialmente conflituoso para mim. Embora eu
tenha planejado engravidar, meu desejo de maternidade não tinha sido
completamente maturado. Na verdade, eu me achava absolutamente inadequada para
o papel. Nunca tive o menor traquejo com crianças, e não compreendia de onde é
que vinha aquele despudor feminino, de simplesmente tirar o peito para fora
para amamentar em público. “Que coisa mais ridícula!”, eu pensava.
Quando engravidei, me senti como um peixe fora d’água. As mulheres
vinham conversar comigo sobre assuntos de maternidade, e eu ficava muito
aborrecida. Eu não me importava com toda aquela chatice relacionada a enxoval,
tipo de parto ou chá de fraldas. Nunca tive paciência nem para escolher minhas
próprias roupas! Por conta desse “pacote maternidade” que eu não tinha
comprado, cheguei, em mais de uma ocasião, a me questionar se tinha feito a
escolha certa. Como que eu poderia ser uma boa mãe se não sentia a mínima
vontade de tirar uma foto com a barriga de fora, fazendo coraçãozinho com as
mãos ao redor do umbigo? Breguice pura!
A gravidez, para mim, era apenas o meio para ter um filho. Um mal
necessário. De certa forma, eu me achava injustiçada por ter de carregar aquele
fardo. Enquanto eu teria de mudar completamente - engordar, inchar, transbordar
em hormônios, fazer os exames ginecológicos mais vexatórios possíveis - Eduardo
ficaria ali, parado, intocado pelo peso da gestação.
Na minha visão sempre muito realista e nada romantizada da vida, a gravidez era uma fraqueza, e eu idealizei pouco (ou quase nada) sobre esse novo papel que teria de desempenhar. Até então, tudo se resumia a uma barriga. Nada mais. Na verdade, minhas expectativas eram tão baixas, que entrei numa espécie de crise de identidade. Embora eu tivesse preparado meu corpo para gestar e tomasse todos os cuidados necessários para assegurar que minha filha nascesse bem - no que dependesse de mim - a verdade é que eu tinha preocupações nada ortodoxas sobre meu futuro com um filho nos braços. Minha independência, meu corpo, meu trabalho… Será que a maternidade acabaria com tudo? Eu só conseguia pensar no que achava que perderia, não no que ganharia.
Foi então que a Olívia começou a se mexer na minha barriga. E foi uma
sensação maravilhosa! Mas, ainda assim, eu não conseguia sentir aquilo… Aquilo,
sabe? O amor de que tanto falam… Amor materno. Então resolvi perguntar para
minha mãe:
- Mãe, tu já sentia amor por mim quando eu estava na barriga?
- Sentia, claro! Te amei desde o momento em que soube que estava grávida.
Eu não sentia aquilo. Não me sentia mãe. O que eu sentia era a
necessidade de criar uma ligação com aquela inquilina que ocupava
temporariamente meu corpo, mas não que fosse uma coisa natural. Eu ainda tinha
preocupações muito individuais, e isso era condenável - minha mãe fazia questão
de lembrar disso sempre que eu demonstrava minha descrença na naturalidade do
laço materno.
Foi só depois que a Olívia nasceu que comecei a mudar, talvez mais rápido do que eu imaginava, por conta do nosso encontro prematuro.
Nosso último encontro virtual: 33 + 2 |
Era uma quinta-feira. Antevéspera do Carnaval. Meu objetivo era comprar um colchão. Trabalhar e comprar um colchão. Eu não podia esperar nada mais daquele dia quando acordei de manhã, pois bebês só nascem a partir das 37 semanas, e, na minha certeza matemática sobre a vida, a Olívia não ia nascer no dia 16 de fevereiro, com certeza. A data prevista do parto, constante em todos os meus exames, era 02 de abril, e, se estava assim no papel, devia ser verdade. Aliás, lembro até hoje daquela ultrassonografia do segundo trimestre. “Teu colo do útero é enorme!”, disseram os médicos. Eu não sabia o que isso significava, mas soou como um elogio. “Zero risco de parto prematuro”, complementaram. Estufei o peito de orgulho e alívio. Não que a prematuridade fosse uma coisa que me preocupasse. Na minha cabeça, parto prematuro era coisa que acontecia com a filha desleixada da vizinha. Não era o meu caso.
De qualquer forma, com 33 semanas de gestação, eu finalmente começava
a aceitar aquela chegada, aquela transformação. As roupinhas que as avós tinham
comprado às pencas seriam lavadas, e eu tinha prometido a mim mesma que
começaria a organizar os armários. Quem sabe até assistiria a um tutorial no
YouTube sobre como trocar uma fralda. Até então, tudo o que eu tinha feito era
instalar um móbile na cabeceira do berço, com muita incredulidade sobre a
utilidade daquele penduricalho barulhento. Mas, naquele final de semana, tudo
começaria a acontecer.
Ignorei até o final da manhã a dor lombar baixa que me perturbou durante
toda a madrugada. Parecia uma cólica menstrual que ia e vinha, irradiando para
as costas. Como eu sempre tive dor nas costas, mesmo antes de engravidar, achei
que era mais um inconveniente do terceiro trimestre, mais um peso agregado
àquele fardo. Quando começou a se intensificar é que contatei minha obstetra.
Fui para o hospital para avaliação. Cheguei a ser liberada para, logo em
seguida, retornar com a bolsa rompida. O ápice do desespero eu já contei aqui.
Eu e a Olívia só fomos nos reencontrar quase 12 horas após o parto.
Fiquei aguardando o efeito da anestesia passar para poder ficar em pé, tomar um
banho e ir até a UTI neonatal encontrá-la. Nesse meio tempo, ainda com as
pernas formigando, recebi a janta e fui orientada pela enfermeira a tentar
comer. No prato, um sanduíche de presunto e queijo, com folhas de alface
despontando para fora dos bordos do pão. Eu não comia salada fora de casa
durante a gestação pelo risco de toxaplasmose, e não perdia a oportunidade de
reclamar dessa restrição toda vez que saía para almoçar em algum restaurante.
Naquela noite, ao encarar o sanduíche com aquela folha opressiva de alface,
percebi que as restrições tinham, finalmente, acabado. Só que, de repente, não
fazia a menor diferença. Foi com tristeza que percebi que, de fato, as
restrições tinham acabado, mas a gravidez, também. Agora, éramos eu e ela, dois
seres humanos independentes, para sempre separadas daquela unicidade corpórea
para a qual toda mãe anseia que o filho retorne ao menor sinal de perigo.
- Vamos tentar levantar, mãezinha? - questionou a enfermeira, já
adentrando o quarto.
- Com certeza! - respondi. Queria muito ver ela. Eu não tinha
conseguido memorizar as feições do rostinho (as curvas da boca, a cor dos
olhos, a tonalidade da pele, a inclinação do nariz). Tinha medo de não a
reconhecer, e ela não reconhecer a mim, pelo distanciamento que nos foi imposto
por aquela enorme falta de sorte.
Levei em torno de meia hora para sair da cama do hospital, intercalando
cada tentativa de soerguimento com uma olhadinha para a televisão (a opulência
de cores do Carnaval sempre cumpriu muito bem a função de entreter mentes
obnubiladas pelas mais diversas preocupações).
Entrelacei os braços pelo pescoço da enfermeira, jogando o peso do meu
corpo sobre ela. Assim nos arrastamos até o banheiro, onde, pela primeira vez
em quase nove meses, deparei com minha imagem no espelho, sem aquela barriga
transversal que eu achava nada fotogênica. Aliás, da barriga de gestante, tinha
sobrado pouca lembrança: o volume que correspondia ao corpinho da Olívia sumiu,
e a o abdômen murchou como um balão, deixando um pequeno inchaço que se
acomodou sob o assoalho pélvico, facilmente confundível com uma distensão
abdominal causada por gases. Chorei, ouvindo na minha cabeça a voz imaginária
da Olívia dizendo: “Viu, mãe, não deixei marca nenhuma! Não precisava ter se
preocupado tanto”. Que sensação de profundo vazio!
Só o que o primeiro banho conseguiu varrer do meu corpo foi a sensação
de sangue coagulado, não os arrependimentos que vieram depois daquele primeiro
vislumbre no espelho, e que tomariam conta de mim nos próximos meses.
Cheguei na UTI neonatal de cadeira de rodas, por volta das 4:00h da
manhã do dia 17/02/2023.
- Ela é a do canto - indicou a enfermeira responsável pelo quarto.
Chequei a ficha de apresentação pendurada na incubadora: Olívia. 16/02/2023. 2.242kg. 46cm. Ela mesma. Lá estava minha bebê, pequenininha, com as pernas secas perdidas no fraldão que cobria quase todo o corpo. O acesso num dos braços, o sensor para controle dos sinais vitais no outro, a sonda pela boca.
- Oi, filha! A mãe está aqui! Tudo bem, gatinha? Porque tu estava com
tanta pressa, meu amor? Não importa, vou te cuidar, agora. Como tu está?
Foi tão natural aquela nossa primeira conversa! Eu achei que não saberia
o que dizer quando nos encontrássemos; achei que, por não ter comprado o
“pacote maternidade”, não estaria apta a maternar.
- Posso encostar nela? - perguntei à enfermeira, que atendia o bebê do
canto oposto ao meu.
Inusitada a sensação de precisar de autorização para encostar num filho.
Nem eu, que tinha poucas expectativas a respeito da maternidade, podia esperar
por isso.
- Pode, sim. Encosta nela com um toque firme, a mão espalmada, para não
assustar.
Mas esse protocolo também não me servia. Não ia encostar na minha filha
com a mão espalmada, como se fosse um robô. Coloquei a mão direita em um dos
acessos laterais da incubadora, e nos regozijamos com um cafuné bem-feito no cocuruto
da cabeça.
Passamos uma, uma hora e meia, talvez duas horas nessa troca de carícias,
contemplação e ao cantarolar de muito “The Long and Winding Road” –
melodia que eu só interrompia de vez em quando para ver cessar a dor da
ardência dos pontos cirúrgicos no baixo ventre. Só resolvi sair quando a
ardência se tornou insuportável e senti a necessidade de deitar.
No quadro mural de vidro afixado numa das paredes do meu quarto no hospital,
uma das enfermeiras inseriu um “lembrete” carinhoso, abaixo da prescrição de
medicamentos que havia sido reproduzida do meu prontuário: “Visitar a Olívia na neo!”.
Eu precisava visitar uma pessoa que, até então, eu achava que não conhecia.
Agora, aquilo parecia tão óbvio! Ninguém precisava me lembrar! De repente, era
como se eu não carregasse mais a Olívia, mas como se ela me carregasse.
No segundo dia de internação, cheguei na UTI e a enfermeira me
questionou:
- Tu que é a mãe da “braba”?
- Sou a mãe da Olívia…
- Essa mesma. A “braba”. Abre o berreiro se não é a primeira a ser
atendida na hora da mamar.
Achei graça, mas depois me incomodou o fato de não ter sido a primeira a
tomar conhecimento daquele traço de personalidade tão individual da minha
filha. Pela primeira vez, eu queria ter um pouquinho do que prometiam na
propaganda do “pacote maternidade”.
No terceiro dia de internação, cheguei para visitar ela no mesmo
cantinho de sempre, mas a incubadora estava vazia. Gelei dos pés à cabeça; as
pernas começaram a bambear e senti a respiração ficar mais curta. Saí afoita
corredor afora procurando ajuda.
- Desculpa, não atendo os bebês desse quartinho. Quem sabe tu questiona
o pessoal ali no posto de enfermagem pra saber o que aconteceu – respondeu o
primeiro ser humano que consegui atacar na sala mais próxima.
Eu já ia acelerando o passo quando outra profissional, que ouviu a
conversa, me procurou para dizer que a Olívia apenas tinha sido transferida de
sala. Havia sido “promovida” para um quarto destinado a bebês que não
necessitavam de cuidados intensivos, ou seja, bebês que só estivessem em
observação. Além disso, iria para um bercinho, o que significava que ela poderia
vestir as roupinhas que ainda nem tinham sido lavadas, pertencentes àquele
enxoval capenga que eu não tinha saco para montar.
Abracei a interlocutora da notícia e chorei de felicidade, espalhando aos quatro ventos que aquele tinha sido o melhor presente que eu poderia ter recebido naquele dia. No dia seguinte, outro presente: a transferência da Olívia para um quarto com vidro que franqueava aos familiares direito à visitação, o que permitiu que as avós vissem a neta pela primeira vez.
O primeiro ganho de peso também foi muito comemorado. Eu não gostava de acompanhar as pesagens, pois, apesar de ter sido advertida de que alguma perda era não apenas normal, como esperada, eu não admitia que uma só grama pudesse ser subtraída daqueles já escassos 2.242kg. Chorei quando 30 gramas sumiram da balança, mas comemorei em dobro a aquisição das 5 primeiras.
Eu me alegrava tolamente com essas pequenas vitórias de uma maneira
muito natural e quase infantil. A menos que se tenha investido muito dinheiro
num desses métodos de emagrecimento à la Maíra Cardi – o que naturalmente me faria
chorar de compaixão pelo indivíduo iludido, digo, envolvido –, nunca imaginei que o ganho ou
a perda de peso de uma pessoa pudesse ser motivo de júbilo ou desolação. O que
me fez pensar que a tristeza e a felicidade são dimensionadas pelo valor que
damos ao que temos.
No dia da alta, a pediatra nos disse que 11 dias de UTI não eram nada; que, na realidade, era como se a Olívia tivesse dado uma “voltinha” na UTI. Não precisou de oxigênio nem de medicamento, e a sonda nasogástrica só permaneceu o tempo necessário para que os médicos entendessem que o aporte de leite materno ingerido via oral era suficiente para suprir as carências nutricionais daquele toco de gente (a própria Olívia chegou a arrancar a sonda duas vezes).
Um nascimento prematuro é sempre um poço de incertezas. Foi um alívio
saber que a prematuridade, no nosso caso, tinha custado “apenas” 11 dias de
muita angústia. Um preço baixo. Nem todo mundo tem a mesma sorte.
Após a alta, a dor foi cedendo, mas a culpa, não. Culpa por não ter
sentido o que eu achava (ou o que achavam) que eu deveria sentir desde o
início, desde quando descobri que estava grávida - como minha mãe, que diz ter
me amado desde que soube que tinha concebido. Acreditei, durante muito tempo,
que o nascimento pré-termo da Olívia era uma penitência pela indiferença que eu
sentia com a maternidade. Então lembrei de todas as mães que tive a
oportunidade de conhecer na UTI; mães que se encaixavam naquele modelo
santificado de mãe; que, provavelmente, amaram seus filhos desde quando eles
ainda eram apenas um sonho. Elas também estavam ali comigo, naquele mesmo
balaio de gatos. Não, aquele imprevisto não era uma penitência. Era apenas a
maternidade testando nossos limites mais cedo do que o esperado, não um
justiçamento do universo.
Desde então, venho amealhando um repertório de culpas. Em retrospecto,
sinto falta daquela foto de gravidez representativa de um estado de plenitude
que eu queria ter sentido, mas não senti. De qualquer forma, é fútil de minha
parte desejar uma artificialidade desse tipo. Não era o que sentia no momento;
não seria real. E de quantas artificialidades a maternidade não é feita?
Quantas culpas também não se escondem por trás de cada barriga bem enquadrada
na foto?
Que bom se fosse possível acertar os números da loteria após o sorteio! Mas a vida caminha para frente, e há novos sorteios todos os dias. De minha parte, continuo tentando acertar os
números da felicidade, e acredito que cada mãe, antes mesmo de se tornar uma,
continue tentando também, com todas as culpas envolvidas.
Para mim, o amor materno amadureceu com o tempo, como naquele versículo
bíblico que prefaciou meu trabalho de conclusão: “Tudo tem o seu tempo
determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu […] Tempo de
chorar, e tempo de rir; tempo de prantear, e tempo de dançar”. No meu tempo
de agora, estou dançando. Minha dança tem nome e hoje completa 1 ano. Para ela
eu também desejo muito tempo de dança, ao som da melhor música que ela puder
escolher, ao lado dos melhores amores que ela puder cultivar. Então dança,
filha, dança!
É controverso falar sobre as bases do amor materno. Minha própria mãe me repreendia duramente toda vez que, durante a gravidez, eu ousava questionar a intensidade do amor que sentia pela minha filha. Eu precisava tocar. Cheirar. Sentir o calor da pele. Foi só usando os cinco sentidos que eu me senti mãe, no sentido mais santificado da palavra, sem dosar o amor em intensidade. As pessoas são diferentes. Para mim, foi assim. Não ortodoxo.
Também é controverso falar sobre quem não quer exercer a maternidade. Sobre quem não pode ser mãe. Sobre a possibilidade de coexistência do cansaço com o amor por um filho. Sobre culpa materna. E é sempre controverso quando é sobre ela. A mãe. A mulher.
Foi então que encontrei esse livro da filósofa francesa Elisabeth
Badinter. A obra se propõe a responder o seguinte questionamento: “Será o
amor materno um instinto, uma tendência feminina inata, ou depende, em grande
parte, de um comportamento social, variável de acordo com a época e os
costumes?”.
A investigação se encaminha para considerar que não, não se trata de um sentimento inato. A conclusão é construída por meio de uma digressão histórica. Nos séculos XVII e XVIII, ter filhos era uma obrigação feminina para garantir descendência. A finalidade era meramente patrimonial. Após o nascimento, o bebê era imediatamente encaminhado a uma ama de leite, com a qual permaneceria até por volta dos 4 anos. Era o que se chamava de “amamentação mercenária”, comum em todas as classes sociais da época. As mães não amamentavam seus filhos; muitas sequer sabiam o paradeiro de seus descendentes até que retornassem ao seio familiar, já desmamados (SE retornassem, diante da alta mortalidade infantil registrada durante os períodos em que as crianças permaneciam na casa das amas). Após o retorno ao lar, as crianças nele ficavam até 8-10 anos, quando, então, eram enviadas a colégios internos.
Só quando a mortalidade infantil começa a se tornar um problema demográfico e econômico é que se evidencia uma alteração de discurso no sentido de incentivar não só a amamentação, como a permanência dos filhos no lar. A autora cita estudos, ensaios e até mesmo literatura da época para comprovar o início da identificação da mulher como mãe, da mãe como santa e da maternidade como sacerdócio.
Meu avô, nascido em 1940, contava que, com 11 anos de idade, por recomendação de uma tia freira, havia sido enviado à Porto Alegre para trabalhar num seminário. A oportunidade de enviar o filho à capital foi vista pelos pais como um livramento: uma boca a menos para alimentar. Depois de quase um ano longe de casa, meu avô, sozinho, toma o primeiro trem de volta para o interior. De duas, uma: ou estava com saudade de casa, ou havia aprontado uma das suas. Qualquer que tenha sido a motivação, o fato é que foi quase que escorraçado de casa: não tinha nada que ter voltado, disseram os pais. De fato, Elisabeth Badinter talvez não precisasse ter ido muito longe nessa digressão para comprovar que o amor materno (e paterno) difere muito de hoje para ontem, e que há um certo condicionamento sentimental a circunstâncias econômicas, sociais e culturais.
É um livro muito interessante e extremamente disruptivo. No Kindle, a obra consta como indisponível, e os exemplares da Amazon e da Estante Virtual também têm aquela carinha de antiguidade, além de não representarem exatamente uma bagatela (não encontrei nada por menos de R$100,00). Fiquei elucubrando se a dificuldade de encontrar uma reedição não poderia ser atribuída à polêmica que circunda o tema. Talvez não estejamos preparados para aceitar a humanidade de nossas próprias mães…
Além do meu achismo, só posso dizer que o meu exemplar da foto é um empréstimo da Unisinos. Li em algum lugar que é um livro muito utilizado na graduação de psicologia. De fato, serviu, para mim, como uma espécie de literatura terapêutica.
Para quem gosta do assunto, sugiro, também, “As Alegrias da Maternidade”, de Buchi Emecheta, um retrato mais literário, mas nem por isso mais romântico, dos conflitos maternos.
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